A velocidade de inovação nunca foi tão alta. Todos os dias, milhares de pessoas e empresas buscam proteger seus processos e produtos, de forma a obter o direito exclusivo sobre eles. Porém, na contramão desta velocidade, estava o exame dos pedidos para proteção das inovações, criando assim, o backlog de patentes.
O backlog de patentes consiste em todos os pedidos de patentes com exame requerido e pendentes de decisão por um período de dois anos ou mais. Ou seja, por incrível que pareça, mesmo após dois anos da solicitação do exame, alguns pedidos de patente seguiam sem decisão e, na maioria dos casos, sem qualquer andamento, como emissão de alguma exigência ou parecer técnico.
O atraso nos exames gerava uma fila gigantesca, que em agosto de 2019 chegou a quase 150 mil pedidos esperando para serem analisados. Muitos destes pedidos poderiam ser de grande relevância para seu titular, possuindo vantagens competitivas perante seus concorrentes.
Foi então que, a partir de 22 de julho de 2019, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) deu início ao plano de combate ao backlog de patentes com o objetivo de acelerar o exame dos pedidos e, assim, reduzir significativamente os números em espera.
Como funciona o processo de análise de um pedido de patente
Antes de falar propriamente de como está sendo realizado o combate ao backlog, precisamos entender o funcionamento do processo administrativo de análise do pedido de patente.
O processo se inicia imediatamente após o depósito do pedido de patente, onde, logo nos primeiros meses, o INPI realiza um exame formal do pedido e, caso seja necessário, emite exigências para que o mesmo se adeque às Instruções Normativas e Leis vigentes.
Após esse exame, o pedido é protocolado, mantido em sigilo por até 18 meses, contados a partir da data de depósito, e publicado em seguida. Após 60 dias da publicação, o titular pode requerer o começo do exame do pedido.
É somente a partir do pedido de exame que se começa, propriamente, o exame técnico do documento. Nesta parte que são analisados os requisitos de patenteabilidade e são emitidos pareceres e exigências resultando no deferimento ou indeferimento do pedido de patente.
Solução para o backlog de patentes
O plano de combate ao backlog deu início à exigência preliminar, realizada logo após a solicitação de exame do pedido de patente, consistindo na apresentação de documentos patentários, relevantes para patenteabilidade do pedido, que são frutos de pesquisas realizadas por escritórios de patentes internacionais (despacho 6.21) ou da própria autarquia brasileira (despacho 6.22).
Através desses documentos, o INPI emite exigência para que o titular do pedido se posicione de forma a adequar o quadro reivindicatório ou apresentar argumentos que os afastem.
De acordo com o Art. 36 da Lei nº 9.279, de 1996 (LPI), o depositante deve manifestar-se quanto aos documentos do estado da técnica citados no relatório de busca, modificando o quadro reivindicatório do pedido, de forma a adequá-lo a estes documentos, e/ou apresentar argumentação a respeito da pertinência destes documentos.
A ideia principal é que o próprio titular analise os documentos apresentados e adéque o quadro reivindicatório antes mesmo de uma exigência técnica ou parecer contrário à patenteabilidade do pedido. Há ainda a possibilidade do titular abandonar o pedido ao perceber que, quando comparado com os documentos apresentados, as chances de sucesso na concessão do pedido são reduzidas.
Resultados do combate ao backlog
Ao longo de 2020 conseguimos ver com exatidão o resultado alcançado pelo plano de combate ao backlog. O INPI, através de seu site, atualiza constantemente os números e nos revela uma expressiva diminuição da quantidade de patentes esperando exame.
Como podemos observar, o número de pedidos que compunham o backlog diminuiu para menos da metade, caindo de 147,743 para 73,286, sendo mais de 78 mil já decididos ou arquivados. Um excelente resultado! Será?
Exigência preliminar é o melhor caminho?
Ao usar como base legal o Art. 36 da LPI, não havendo resposta à exigência preliminar, o pedido é arquivado definitivamente. Ou seja, após anos de processo administrativo, o pedido pode ser arquivado sem ao menos ter sido submetido, efetivamente, à uma análise técnica.
Como dito anteriormente, a exigência preliminar é apenas a apresentação de um relatório de buscas, sendo eles realizados pelo INPI ou por escritórios estrangeiros, não possuindo qualquer exigência técnica. Essas buscas vêm acompanhadas de apenas uma exigência genérica para que o uso do Art. 36 se justifique.
Então, proponho um exercício de imaginação: você, caro leitor, é titular de um pedido de patente no Brasil, com extensão internacional via PCT, possuindo relatório de buscas emitido por algum escritório estrangeiro e, inclusive, com concessão deste pedido em diversos países. O pedido brasileiro é submetido à exigência preliminar e, por algum descuido, você acaba não respondendo. É justo o arquivamento definitivo após esse erro? Ao meu ver, não.
Para piorar, as exigências preliminares ocorrem quando o pedido já foi publicado, tornando-o acessível a terceiros. Esse fato é um agravante, pois, após publicada, a matéria revelada no pedido pertence ao estado da técnica e um novo pedido não seria possível, pois careceria de novidade, um dos requisitos para patenteabilidade.
Logo, a ausência de resposta à exigência preliminar não só arquiva definitivamente o pedido como acaba com qualquer possibilidade de um novo depósito.
Um paralelo: a ausência de resposta aos demais despachos
O arquivamento do pedido também ocorre para os casos em que não são respondidas outras exigências da autarquia. Podemos citar dois exemplos corriqueiros para analisarmos a prejudicialidade do arquivamento do pedido: a exigência formal (despacho 2.5) e a exigência técnica (6.1).
Ao ocorrer o arquivamento ou anulação da numeração do pedido por ausência de resposta à exigência formal, o prejuízo é bem reduzido, pois ainda não ocorreu a publicação do pedido e o depositante pode realizar uma nova tentativa de proteção de sua patente de invenção/modelo de utilidade.
Porém, igualmente ao que ocorre pela ausência de resposta à exigência preliminar, no caso da exigência técnica o pedido também é arquivado definitivamente e o titular perde a oportunidade de realizar um novo pedido da mesma matéria.
Apesar da prejudicialidade ser igual nos dois casos, cabe ressaltar que no momento da exigência técnica, já houve, como o nome já diz, análise técnica do pedido, enquanto para a exigência preliminar, apenas foi feita uma pesquisa por documentos similares. Então, para o caso de ausência de resposta à exigência preliminar, o pedido pode estar totalmente de acordo com as Leis e Instruções Normativas e mesmo assim ser perdido.
O arquivamento definitivo fica mais complicado de ser defendido quando é observado que ao não responder o parecer contrário ao deferimento (7.1), o pedido é indeferido e não arquivado. Lembrando que o indeferimento é recorrível administrativamente, o arquivamento definitivo não.
Ora, qual é o sentido da possibilidade de se recorrer quando não é respondido um parecer pelo indeferimento do pedido e o mesmo não ser possível quando não há resposta a um relatório de busca?
Possíveis consequências adicionais
Dentre as consequências negativas dessa medida adotada pelo INPI está o aumento de gastos para as pessoas físicas e pequenas empresas. Pode não parecer, mas eles representam a maior parcela de depositantes nacionais, tendo juntos 54% dos depósitos de patente de invenção e 82% dos depósitos de modelo de utilidade.
A introdução da exigência preliminar é mais uma despesa que, apesar de não ser significativa para as grandes empresas, é bastante relevante para a maior parte dos depositantes nacionais. Além da GRU emitida pelo INPI, há também o honorário do procurador que certamente não é tão barato quanto a taxa da autarquia.
Logo, adicionar gastos a um processo já tão custoso não parece nada justo, levando, possivelmente, cada vez menos pessoas físicas e pequenas empresas a procurarem proteger seus ativos intelectuais. Outra possibilidade menos alarmista seria simplesmente essa parcela dos depositantes nacionais não responderem a exigência preliminar, tendo seus pedidos de patente arquivados em definitivo.
Conclusão
Diante do exposto, são notórios os resultados alcançados no combate ao backlog com a introdução das exigências preliminares no processo de exame do pedido de patente. Estes resultados demonstram para os inventores, nacionais e estrangeiros, que o Brasil está buscando maneiras de dar maior celeridade ao processo de proteção das inovações e se equiparar aos demais países.
Entretanto, a escolha do mecanismo para tornar mais célere o exame do pedido de patente não foi razoável, pois cerceia a realização de exame técnico do pedido e aumenta os custos do processo, desestimulando pessoas físicas e pequenas empresas a protegerem suas inovações.
Como visto nos resultados apresentados pelo próprio INPI, o número de pedidos arquivados definitivamente saiu de pouco mais de mil e quinhentos em novembro de 2019 para mais de quarenta e oito mil em dezembro de 2020, muito dos quais, provavelmente, cumpriam os requisitos de patenteabilidade e tinham chances de serem concedidos.
ttps://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/plano-de-combate-ao-backlog-1/historico-do-plano-de-combate-ao-backlog-de-patentes[2]
ttps://www.gov.br/inpi/pt-br/acesso-a-informacao/pasta-x/boletim-mensal/arquivos/documentos/boletim-mensal-de-propriedade-industrial_26-09-2020.pdf