Há alguns dias publiquei um artigo sobre o trade dress, focando na sua origem nos Estados Unidos da América, com notas sobre o caso paradigma e outros muito importantes (se você ainda não acessou, ele está aqui: O que é trade dress e como é protegido nos Estados Unidos?).
E preciso falar a verdade: ele surgiu depois desses comentários breves que você está lendo. Sim, é quase o que respondeu Dinho, dos Mamonas Assassinas, quando perguntaram como ele pretendia ter sucesso no 2o. LP, quando normalmente o 1o. é o grande sucesso, e ele sagazmente disse que tinha lançado o 2o. primeiro e que, portanto, o 2o. era o primeiro.
Então, aqui vamos atacar o trade dress, tencioná-lo, nesse curto espaço, lançando algumas considerações iniciais e pensamentos sobre o caminho que o instituto tem trilhado. Mais do que isso, se esse caminho é natural ou manipulado pela distorção de suas origens e se até essa distorção não é algo que deve de fato ocorrer.
Muito se fala sobre o já afamado trade dress, que há muito tempo se tornou praticamente um coringa no mundo concorrencial e, sobretudo, nos temas ligados à propriedade intelectual.
Não raro ele é invocado para ocupar espaços onde não estão outros institutos, como o direito marcário ou patentário – e até aí, tudo bem, afinal ele de fato existe e tem um espaço próprio.
O ponto é encontrar esse espaço, nas complexas relações concorrências aceleradas em um mundo de informações velozmente proliferadas e reproduzidas, que muitas vezes inviabilizam a identificação de onde tudo começou, se há um começo ou se o que se apresenta já virou uma tendência de mercado.
O que quero dizer com isso é que o trade dress parece ter sido realmente vulgarizado, no sentido de buscar a sua aplicação como estepe para o caso de um pneu furado: o que deveria estar funcionando parou, então vamos chamar o reserva.
Não é e nem deveria ser assim.
Ao contrário do que parece termos nos EUA, no Brasil ainda temos excessivo uso não apropriado e aplicações distorcidas do instituto – e sim, não se nega que possa existir mutabilidade na aplicabilidade desse ou daquele conceito, afinal tal como a própria sociedade e suas relações se transformam, esse também pode (e ainda sofrer a tal tropicalização). Mas será que há limite para uma mutação?
Quando reflito sobre a proteção do trade dress, navego em incertezas e na falibilidade que qualquer definição pode trazer, ainda mais quando ela tem uma conexão com a criatividade e a sua percepção por aqueles que são submetidos a sua exposição, seja em qualquer suporte.
Mas arriscaria dizer hoje (e sim isso pode mudar) que a proteção do trade dress deve recair justamente sobre todo elemento ou conjunto de elementos – inclusive sensitivos, composto(s) por aspectos que são transmitidos quando de sua visualização ou experimentação pelos consumidores (aqui admitindo a percepção por outros sentidos), que fomenta um elo, uma caracterização e certamente um desejo de conquista ou construção de identidade.
Em muitos casos a escolha das cores, dos elementos e a forma única como são construídos, criam um verdadeiro “look and fell” que faz com que o consumidor não faça uma análise minuciosa do sinal distintivo que o atinge, mas navegue sensitivamente pela construção semiótica que tal sinal já impregnou na sua percepção, quando estamos diante daquela captada pela visão.
Mas há que se estabelecer que a sutileza da elasticidade dessa construção está na sua limitação de incidência. Em outras palavras, a beleza da amplitude está no espaço pequeno e reduzido onde pode se estender o trade dress.
Costumo comparar o trade dress com o direito penal. Ele deve ser subsidiário, portanto agindo quando outros não podem alcançar aquela tutela especifica. Se há uma proteção especifica de outro instituto, o trade dress deve ser convidado a se retirar. Ele ocupa espaço vazios e, mesmo assim, apenas nas cadeiras numeradas, tal como o direito penal, exercendo assim uma verdadeira fragmentariedade.
Não nego que nem sempre é impossível a extensão excessiva de conceitos nascidos para regulamentar determinadas situações. Há sim uma elasticidade possível – talvez previsível, haja vista a mutabilidade das relações, mas os limites devem ser regidos, certamente pelo alcance dessa mudança, que muitas vezes geram novas relações, e não as mesmas apenas com nova roupagem ou apetrechos. É preciso critério ou standards (para usar termo da moda).
E aqui é que o trade dress sem encontra. Entre o estica e puxa de decisões conflitantes, de invocações para ingressar em campos que lhe são estranhos a sua razão de nascimento. Será que estamos diante de uma mutabilidade concretamente aceitável dentro da realidade social ou de um tentativa de usar um medicamento ineficaz para um doença nova? O Bombril é realmente mil e uma utilidades, o fazendo com perfeição ou adequação? O Direito Penal é a forma de enfrentar a criminalidade ou o seu viés é justamente em sentido contrário, sendo o seu uso como ferramenta de controle social um claro desvirtuamento de sua função? Acredito que o trade dress parece caminhar pela mesma estrada – ou apenas deu seta(?). E o pior é que sabemos onde isso pode acabar. A questão é: Vamos assistir ou agir?